quinta-feira, janeiro 24, 2008

"Senti o metro passar por cima e esperei que não me matasse"

Jornal de Notícias


Carla Cruz

"Tive a perfeita noção de que o metro estava a passar por cima de mim. Fiquei quieto e lembrei-me dos filmes em que um veículo passa e o homem escapa ileso". As palavras de João Almeida, 32 anos, fiscal da empresa Metro do Porto há três, pretendiam, ontem, descrever o que sentiu na noite anterior quando, caído na linha, sentiu uma composição do metropolitano roçar-lhe a roupa até rasgar e magoar-lhe a pele. A história parece filme. Mas não é. Para João "é milagre". Escapou ileso. Tem queimaduras na parte inferior do corpo e muitos hematomas."E tive uma estrelinha a olhar por mim".

João estava com um colega, anteontem, cerca das 19 horas, na estação dos Combatentes (Linha Amarela que liga João de Deus, em Gaia, e o Hospital de S. João, no Porto) a fiscalizar os passageiros que saíam da composição vinda do Marquês. A suspeita de que um rapaz de 15 anos não tinha validado o bilhete levou o colega a agir. O adolescente terá reagido mal à abordagem e empurrou o fiscal, aproveitando para se pôr em fuga. João foi atrás dele, agarrou-o, mas terá sido também empurrado. Para a linha.

"Bati com a cabeça no metro que já estava em andamento. E logo senti que deslizava para a linha entre as duas composições. Fiquei deitado, de costas, no meio dos carris", contou ao JN. "Recordo que tive perfeita noção de que estava o metro a passar por cima de mim. Contraí os músculos o mais que pude e esperei que o veículo passasse sem me matar." A sorte esteve do seu lado.

Na estação, a confusão instalou-se. Chamou-se o INEM para socorrer João Almeida, que chegou a perder os sentidos enquanto procurava estar quieto no meio dos carris. E foi chamada a Polícia para deter o rapaz. Diz quem viu que o adolescente estava em pânico. "Julgava que me tinha matado", relata o fiscal que, com as roupas desfeitas e muitas mossas no corpo, foi levado para o Hospital de S. João, de onde só saiu ontem, cerca das 1.30 horas.

Ontem à tarde, ao lado de João,que está acamado, a mulher Bárbara Guimarães não se cansava de falar em sorte. E até sorriu quando o fiscal teve um minuto para brincar com a situação "A minha mãe diz que estou magrinho. Eu agora até lhe digo que estou muito bem. Pelos vistos, estou no ponto ideal", gracejou.

Três vezes agredido

Este não foi o primeiro incidente em que João Almeida se viu envolvido desde que está a trabalhar para a Metro do Porto, depois de requisitado à empresa de segurança de que faz parte. Só nos últimos três meses foi agredido três vezes no exercício da sua função. E, por isso, pondera mudar de profissão. "Há uns meses, outro adolescente rebentou-me a boca. Fui transportado para o hospital e no mesmo dia em que tive alta levei um soco no nariz. Agora, tive esta queda para a linha. São muitas agressões", considera.

"Há uma enorme falta de respeito por nós. É um trabalho que algumas pessoas, principalmente os jovens, não respeitam. De duas vezes que fui agredido, apresentei queixa e os culpados saíram sempre impunes. Ou são adolescentes ou são coitadinhos e ficam sem qualquer punição", afirma o fiscal.

Desta vez, e porque as consequências poderiam ter sido muito graves, João tenciona apresentar queixa contra o agressor e seguir com o processo até às últimas consequências. A mulher apoia-o "Ele [o rapaz] tem de ter consciência de que poderia matar um homem porque não quis pagar 90 cêntimos".


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